sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Das trocas de ano

"Quantas trocas de ano vivemos e tudo continua como sempre foi? Datas são ilusões, dias, meses e anos são um truque para suportarmos as dores e os gozos do tempo, esse implacável. Números impostos pela hegemonia cristã medieval para conseguirmos situar perdas, nascimentos, mortes, intempéries e nossas idiotinhas e pequeninhas conquistas humanas. Não é mera coincidência que o calendário que nos pauta surja com o mundo mercadológico que tanto torna homens e mulheres vis. Na prática ainda somos romanos, pois tudo começa mesmo em março, com Marte, o belicoso que coloca a máquina a rodar. No fundo ainda vivemos Roma com suas estradas cheias de pedagios, não é Ricardo Zordan? Não passamos de bonecos treinados para combater em troca de algum bônus. Se treinados para treinar viramos donos, o que no fim é até pior. Os domínios que tentamos ampliar nunca serão nossos, pois pertencem a essa abstração que nem sempre paga o esforço que fizemos, mas pela qual, apesar de tudo, damos o melhor de nossas vidas. Correndo o risco de acabar no circo para ser comida de leão. E vamos lá, cuidar do imposto de renda. Se eu não tivesse lido os NÃO gritados nos séculos anteriores eu acharia que seria possível um grito céltico para começarmos a viver outra coisa. E línguas foram arrancadas, mulheres e mulheres torturadas, tantos que tentaram dizer CHEGA queimados vivos. E grandes pensadores não conseguiram ficar nas Universidades e quem mais gritou acabou seriamente medicado. Como quase ninguém quer saber de nada disso e pensar sobre a Terra e o que estamos fazendo com ela é conversa que não agrada as pessoas que se preocupam com o número de espumantes e com brincos e com o estofamento do carro, vamos esquecer, mergulhar em águas profundas, se agarrar nos paredes dos abismos que ainda não foram cercados, beijar aquela boca por quase uma hora, escalar montanhas que existem somente para quem se importa, jejuar por vários dias, andar de bicicleta, caminhar quilômetros, tomar litros de Santo Daime, esperar que nos tirem desse planeta ou rezar para que todos comecem a ver o tempo, e a terra que o testemunha, de outra maneira."

Paola Zordan


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